Por Thiago Priess Valiati, advogado sócio do RBGV Advogados, e Manoela Munhoz, acadêmica de Direito.
Desde a sua entrada em vigor, há cerca de nove meses, a Nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n.º 13.655/2018), por meio de disposições voltadas à segurança jurídica e à eficiência nas relações entre Estado e sociedade, vem promovendo expressivas mudanças no Direito Público. Nesse contexto, a aplicação prática das inovações trazidas pelos dispositivos legais tem impulsionado uma verdadeira transformação no plano da responsabilidade estatal, sobretudo nas esferas controladora e judicial.
No âmbito dos Tribunais de Contas, as disposições da Lei n.º 13.655/2018 vêm sendo aplicadas em casos práticos, a exemplo do Acórdão n.º 2.391/2018, do Tribunal de Contas da União (TCU). No referido caso, o TCU preocupou-se com o estabelecimento de parâmetros mais concretos sobre a responsabilidade dos gestores públicos que decorre do artigo 28 da LINDB. Segundo os termos do Acórdão em questão:
“o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio. O erro grosseiro, por sua vez, é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. Dito de outra forma, o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”.
Denota-se, pois, um avanço da Corte de Contas em relação à definição dos parâmetros conceituais sobre o erro grosseiro (a definição, inclusive, vem sendo aplicada pelo TCU em outros julgados, como é o caso do Acórdão n.º 11.762/2018, de relatoria do Ministro Marcos Bemquerer); todavia, a decisão continua a incorrer em equívocos no que toca à responsabilização de agentes públicos, porquanto condenou gestor para indenizar os cofres públicos, embora tenha admitido expressamente que o administrador não agiu com dolo e nem com culpa grave. Segundo o TCU, o agente público no caso em tela:
“deve ser condenado em débito, mas, diante da ausência de culpa grave, deve ser dispensado da aplicação da multa”.
Vale dizer, aplicou-se o disposto no artigo 28 tão somente no tocante à aplicação da multa, mas não em relação à indenização do débito, embora o referido dispositivo não apresente qualquer diferenciação ou limitação na aplicação de sanções.
O TCU, portanto, precisa continuar avançando para o fim de incrementar a motivação de sua jurisprudência, sobretudo no que toca à maior previsibilidade de suas decisões sancionatórias, a fim de valorizar o gestor público de boa-fé e possibilitar a existência de medidas governamentais inovadoras no âmbito do setor público.
Para além do artigo 28, os demais dispositivos da LINDB também vêm sendo aplicados pelos Tribunais de Contas. Veja-se, por exemplo, o julgado no Acórdão n.º 1.643/2018, do TCU. No referido caso, a Corte de Contas da União utilizou o art. 22 da LINDB para absolver de multa os titulares dos Ministérios da Educação e do Planejamento em relação a suposta má-gestão dos recursos orçamentários do FIES, pelo reconhecimento dos obstáculos reais dos gestores públicos em questão.
Em caso diverso, o TCU determinou a suspensão cautelar de processo licitatório, indicando os artigos 20 e 21 da LINDB (Acórdão n.º 1746/2018). Segundo a mencionada decisão, caso a concorrência pública para a contratação das obras da linha leste do metrô de Fortaleza/CE fossem mantidas, haveria elevado risco para a mobilidade urbana e de novas paralisações em razão de eventual contratação mal-sucedida.
Também no contexto estadual, os Tribunais de Contas dos Estados vêm aplicando a LINDB. É o caso da Corte de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) que, no âmbito do Acórdão n.º 3615/18, aplicou o artigo 24 da LINDB e considerou as “orientações gerais da época” em favor da segurança jurídica. O mesmo dispositivo foi aplicado pela referida Corte de Contas no Acórdão n.º 2832/18, que obstou a invalidação de prática administrativa consolidada com base em mudança posterior de orientação geral.
Por fim, verifica-se que o Poder Judiciário também vem aplicando a nova legislação. é o caso da decisão monocrática proferida pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, no RE nos EDcl no AgRg no AREsp n.º 50.729. O julgado em questão trata de Recurso Extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, no qual que sustentou a adequação da decisão recorrida ao entendimento do STF acerca da atualização monetária nas condenações emergentes de relações jurídicas não tributárias impostas à Fazenda Pública (entendimento exarado no Recurso Extraordinário 870.947/SE). Porém, pende, até o momento, de julgamento pela Suprema Corte (por meio de embargos de declaração opostos no referido recurso), controvérsia relativa à modulação dos efeitos da decisão proferida no julgamento do Tema n.º 810. Assim, a Ministra Relatora decidiu, de forma monocrática, que eventual modulação de efeitos no caso em questão poderá resultar em prejuízos/benefícios de natureza patrimonial de grande impacto para ambas as partes da avença. Segundo a decisão:
“os efeitos práticos da decisão são elementos a serem ponderados pelo julgador, conforme disposto nos arts. 20 e 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em recente alteração promovida pela Lei nº 13.655/2018”.
Assim, tem-se que a Nova LINDB estabeleceu parâmetros para aprimorar a responsividade das decisões proferidas no âmbito do Direito Público, de modo a aproximá-las da realidade concreta da prática administrativa. Dessa forma, sua aplicação, tanto na esfera controladora quanto na judicial, já vem possibilitando uma melhora da segurança jurídica e da eficiência nas relações de Direito Público, e, consequentemente, criando um ambiente favorável à concretização dos negócios.